sábado, 24 de fevereiro de 2018

A GUERRA NO RIO - PALAVRAS DE UMA JUÍZA DE DIREITO

A INTERVENÇÃO FEDERAL E O QUE VOCÊ TEM A VER COM ISSO

Se você é daqueles que ainda não se mudou de país, na República Federativa em que você vive os vinte e seis Estados, os mais de cinco mil Municípios e o Distrito Federal possuem autonomia, governo e leis próprias, não podendo, via de regra, sofrer intervenção da União, exceto nas hipóteses estritamente elencadas nos artigos 34 e 35 de sua Constituição.
Dentre tais situações excepcionais encontra-se a necessidade de se pôr termo a grave comprometimento da ordem pública.
Chegamos a esse ponto?
Bom, vejamos.
No último ano 6.731 pessoas foram mortas no Estado do Rio de Janeiro de forma violenta, o que representa uma taxa de 40 mortes a cada 100.000 habitantes. Para preservar a ordem pública e conter a violência diária das ruas por meio de vigilância ostensiva temos a Polícia Militar que, no mesmo ano, foi considerada 40% abaixo do ideal pelo relatório do CNMP. Desse efetivo insuficiente perderam-se no ano passado 134 policiais (militares, frise-se), dos quais somente 26 em confronto com bandidos; o restante foi executado pelo simples fato de integrar a força policial. Em outras palavras, ódio. Ou, se quiser olhar com olhos de ver: guerra. Não uma guerra como se vê em filmes, em que uma das partes declara sua intolerância e avisa à outra, quando então ambas traçam suas estratégias, convocam seu exército e armam-se a contento; uma guerra velada, pois tenta-se a todo custo esconder o óbvio: falhamos gravemente em garantir a ordem pública e temos hoje um exército de meliantes fortemente armados com fuzis customizados, pistolas importadas dos mais variados modelos, granadas, dotados de farta munição e atacando policiais em serviço ou de folga simplesmente por integrarem a força (?) inimiga.
Esta, por sua vez, não foi informada da guerra, não tem apoio da população ou do governo, não traçou estratégia para revidar, não tem efetivo, armamento ou viaturas suficientes para fazer frente ao ataque. A corporação teve a tropa reduzida em 2000 policiais em pouco mais de um ano e está com mais da metade de seus veículos parados por falta de manutenção. Com o décimo terceiro salário e o RAS (Regime Adicional de serviço) ainda atrasados, a tropa está desanimada, sem rumo e sem perspectiva, cada qual temendo ser o próximo da estatística.
Diz-se que a estratégia do demônio é fazer você pensar que ele não existe. Pois bem. Como Lavoisier já nos ensinou que na natureza nada se cria, tenho para mim que esse tipo de guerra tenha sido copiado daí. Então eles guerreiam sozinhos, como sombras da noite, fazendo suas vítimas enquanto ninguém está percebendo qual é a jogada. Como quem faz falta do outro lado do campo enquanto o juiz olha para a bola ou como quem olha as cartas do parceiro de buraco enquanto ele vai ao banheiro... só que com morte.
Há quem dirá: “-problema deles” e passe a tecer considerações sobre o histórico de corrupção na polícia. Indubitavelmente há banda podre nos quadros da Polícia Militar. Assim como há em todas – todas – as profissões. Formais ou informais. To-das. Classes. Grupos sociais. Até dentre as donas (ou donos) de casa há quem engane o companheiro e fique com o troco das compras. Mães que torturam seus filhos. Filhos que matam suas mães. Então condenam-se todas as donas de casas, pais e filhos também? “-Problemas deles todos: cada um por si”? É isso mesmo?
Corregedoria para quem é quem é de Corregedoria; cadeia para quem é de cadeia e justiça para quem é de justiça. Separe-se o joio do trigo e apliquem-se as medidas necessárias.
Fato é que como está não dá para continuar.
Estando a ordem pública claramente comprometida e não havendo, no Estado, quem a garanta a contento (ou alguém ainda duvida?) há que se aplicar a Constituição da República para restabelecer a paz social do Rio de Janeiro pelo meio ali disposto: intervenção da União no Estado na forma do artigo 34, III, da CRFB. Assim está fazendo o Governo Federal quer você concorde, quer não. Motivação eleitoreira? Pouco importa no momento. O Estado está sangrando e a próxima gota pode ser sua. Ou de quem você ama.
É a primeira vez que a União Federal intervém em um Estado desde a promulgação desta Constituição, em 1988. Outros Estados já requereram, sem sucesso: Pará no ano de 1989, Espírito Santo no ano de 2002, além do Distrito Federal, em 2010. Todas as solicitações foram negadas.
Ao invés de ficar na internet criticando o Governo Federal, Estadual, Municipal, a novela, o Big Brother Brasil, quem pensa diferente de você ou seja lá o que for procure saber como você pode colaborar para um Rio de Janeiro mais seguro. Vamos cuidar do nosso Estado, cada um da forma que puder.
O poder emana do povo. Ninguém nos concedeu. É nosso. É seu. É meu. É do seu vizinho. Do seu primo. Daquele cara que você não gosta no trabalho. Daquele que você adora. Do seu filho. Do filho do policial assassinado. Do seu irmão. De todos nós. Ele apenas é exercido pelos representantes eleitos. É com a soma das nossas forças e dos nossos ATOS que venceremos essa guerra. Independentemente da sua convicção política ou religiosa, a hora é de união.
Dê um crédito para o que está sendo feito. Pode não ser o que você imaginou, mas tem chances de vingar se contar com o apoio e a colaboração de cada um de nós. E lembre-se: às vezes antes de melhorar, piora. Acuados, reagirão. Só acaba quando termina. Tenhamos fé.
Como juíza de direito assinei um manifesto em apoio à intervenção e me coloco à disposição para colaborar no que for preciso para o sucesso do duro trabalho que será empreendido, cumprindo a Constituição da República e as leis.
A intervenção foi decretada e perdura até ‪31 de dezembro‬. Concordando você ou não, ela é uma realidade. Isso aqui não é Fla-Flu. Nem é política. Todos vestimos a mesma camisa. Somos todos Rio de Janeiro. Procure saber como você pode ajudar. Identifique-se quando solicitado. Colabore com as forças da lei. Vamos parar de olhar nossas diferenças e nos unir em torno do nosso objetivo comum: queremos paz.
Mirela Erbisti – Juíza de Direito

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