domingo, 20 de março de 2011

O meu blog tem sido visitado por pessoas que me trazem muitas surpresas e emoções. Sem querer, acabo atando pontas de vidas afastadas no tempo, relembro momentos de muitos companheiros da polícia e alcanço os corações de seus entes queridos. Foi o que me aconteceu recentemente ao receber o contato lá de Bom Jesus do Itabapoana, Noroeste Fluminense, de um jovem Professor de História, Marcelo Adriano Nunes de Jesus, filho do Policial Civil Eurípedes Alves de Jesus, lotado na 29ª DP (Madureira) nos meus tempos de comandante do nono batalhão. Os seus colegas o chamavam carinhosamente de “Lobo Solitário” e “Índio”.
O jovem professor surpreendeu-me por seu talento também de escritor preocupado com as causas sociais. Ele possui um blog (www.pelasolidariedadeepelavida.blogspot.com) que recomendo aos meus leitores. Também lhe pedi e ele me concedeu permissão para reproduzir (sic) algumas de suas ideias no meu espaço, o que farei a partir deste primeiro texto de muitos outros sobre os quais jorrarei luz sempre com esta introdução.

Marcelo Adriano Nunes de Jesus

A OUTRA FACE DA GUERRA NO RIO

Os últimos acontecimentos que ganharam destaques na mídia nacional e internacional envolvendo Estado versus traficantes num complexo de favelas no Rio de Janeiro, trouxeram à tona outros personagens além dos traficantes em fuga e os bravos policiais que participaram de suas caçadas: seus esquecidos moradores e sua relação com o tráfico de drogas. Uma parcela significativa desses moradores participou ativamente na retirada de armas e drogas dessas comunidades, denunciando, quando se sentiram seguros, paiol de armas e esconderijos de drogas, demonstrando com isso, que não eram complacentes com a criminalidade, mas sim, vítimas de um perverso sistema.
Mas o tráfico não é um elemento novo em nossa história. Na verdade, ele começa mesmo antes da chegada do europeu no Brasil, só que naquela época, o tráfico não era de drogas, mas sim, de pessoas, e este, era amplamente praticado pela elite e com aval do Estado e da sociedade que se beneficiava daquele comércio.
Se pararmos para pensar, o Brasil tem apenas 510 anos e apenas 122 desde o fim da escravidão. A questão é: o que foi feito com aquelas pessoas que a partir de 13 de maio de 1888 se tornaram livres? Será que a mentalidade da inteligentsia brasileira em relação aos negros mudou a partir daquela data? Não, não mudou, ao contrário, aperfeiçoou-se. Inventaram a eugenia, que previa o embranquecimento da população brasileira a partir da miscigenação com imigrantes que para cá vieram com o financiamento do Estado para substituir os negros libertos. Além de fomentar o preconceito e a dificuldade de acesso às questões básicas para negros e descendentes, tais como educação, moradia digna, trabalho e justiça, o sistema continuou punindo-os quando ignorou as suas existências, deixando-os à própria sorte.
O resultado foi que o “grosso” da população que passou a morar em áreas dominadas pelo tráfico de entorpecentes ou eram nordestinos que “fugiram” da miséria de suas regiões porque o Estado nunca se preocupou em lhes dar condições mínimas de sobrevivência, e assim, milhares de retirantes abandonaram suas terras natais em busca da doce ilusão propagada pelos comerciais das tevês de que o “paraíso” seria aqui, ou então os herdeiros desse famigerado comércio chamado “tráfico negreiro”, que por total omissão do Estado em cumprir suas obrigações, deixaram essas pessoas esquecidas e ignoraram o monstro que estava sendo criado.
Mas eis que, quando a criminalidade não ficou mais circunscrita a essas áreas, quando os filhos da elite passaram também a ser reféns das drogas e a elite vítima de sua própria indiferença, o Estado resolveu agir, prendendo alguns malfeitores e ocupando o seu lugar.
Certo alívio tomou conta da Cidade Maravilhosa, principalmente das pessoas que moram nesses locais. Libertas quae será tamen! Mas a minha dúvida em relação a essa liberdade tardia é a seguinte: o que farão com aqueles moradores? Ficarão novamente à própria sorte, ou alguma coisa será feita no sentido de se desenvolver o potencial econômico da região? Serão criados institutos politécnicos? E as universidades, chegarão? Serviços públicos? Dignidade? Respeito? É o mínimo que se espera após tantos e tantos anos de esquecimento.
Não se pode esquecer que muitos daqueles heróis que participaram desse momento histórico também moram em locais perecidos com os complexos de favelas agora retomados pelo Estado. Mesmo mal ganhando para sobreviver, homens e mulheres vestiram a camisa de suas instituições e foram para a guerra, e graças a Deus não houve derramamento de sangue.
É inadmissível que legisladores e chefes de executivo continuem a ignorar aquilo que é obrigação deles fazer: leis eficientes e cumprimento das mesmas, pois não adianta a polícia fazer o seu trabalho e o judiciário ser obrigado a colocar novamente nas ruas marginais que aterrorizaram a população justamente por não terem um sistema eficiente de punição.
Não adianta o governador exigir um trabalho de qualidade como o recém demonstrado pela polícia carioca, se eles mal ganham para viver. Nesse contexto, a sedução pela corrupção se torna um atrativo, pois quando o policial percebe que não terá dinheiro para trabalhar no dia seguinte, nem no seguinte, coitado, qualquer nota de 10 reais torna-se inevitável para a prevaricação, e aí, caros amigos, recriaremos novamente o Leviatã.

A luta continua

Marcelo Adriano Nunes de jesus

segunda-feira, 7 de março de 2011

Sobre a premiação de policiais


Fonte: Internet

A PMERJ vem passando por transformações significativas na sua operacionalidade, saindo da antiga mesmice a que alegoricamente me reportei em livro como um “relógio de parede carregado no pulso”. A alegoria crítica talvez ainda proceda em algumas regiões, mas a liberdade de ação dos atuais comandantes operacionais em busca de resultados diferenciados das incoerentes cobranças passadas vem fazendo a diferença.
Nos velhos tempos, a PMERJ exigia o cumprimento do “coeficiente de operosidade” da Unidade Operacional por meio duma simplória fórmula aplicada mensalmente: “quociente resultante da divisão entre o total de ocorrências atendidas e o efetivo pronto.” (Fonte: Sistema Integrado de Informações Estatísticas – SIIE/APOM/1988). Faço uma avaliação aprofundada desse sistema em Trabalho Técnico-Profissional do Curso Superior de Polícia disponível no meu site (www.emirlarangeira.com.br).
Quanto mais positivo fosse o “quociente”, havia o aplauso institucional; mas, se negativo, a vaia era inevitável. Tal aberração estimulava a paranóica abordagem de suspeitos e promovia ações desesperadas de guarnições obrigadas a apresentar serviço sob pena de punição. O modelo sugeria também a possibilidade não menos absurda da redução artificiosa do efetivo para aumentar o “quociente” garantidor da permanência de comandantes operacionais nos seus cargos e dos patrulheiros em seus postos.
Hoje, porém, a ameaça deu lugar ao incentivo; o prêmio é a diminuição dos índices de criminalidade, ou seja, o inverso da época em que se inventava ocorrência para “demonstrar serviço”, claro que resultando num fictício aumento da criminalidade. Pois bastava “engordar” o numerador, ou seja, “ocorrências atendidas”, na verdade resultantes de “embuches” (no linguajar policial significa “plantar alguma prova” para incriminar pés de chinelo, geralmente usuários de entorpecentes), e, em seguida, era só dividi-lo pelo “efetivo pronto” (também passível de “emagrecimento”). Pronto! Eis o “quociente” salvador da pátria! E nem vou me enfiar a enumerar os artifícios porque fico meio envergonhado, não por minha culpa direta, mas eu não podia evitar que na ponta da linha a cultura predominasse na obscuridade de uma fiscalização desidiosa...
Inverter o modelo estatístico de cobrança talvez tenha sido a melhor de todas as medidas institucionais na segurança pública objetivando a mudança da cultura do policiamento da PMERJ. Muitos abusos de poder foram abolidos e a prevenção tornou-se regra em vez de exceção. Também no caso da PCERJ o efeito tem sido agradável, já que hoje o sistema policial civil lida com fatos criminosos mais aproximados da realidade, o que não acontecia num passado em que muitos ROs (Registros de Ocorrência) decorriam de TROs (Talões de Registro de Ocorrências) contendo anotações fictícias.
Às vezes me dá vontade de criticar a premiação de policiais civis e militares atuantes em localidades em que os índices de criminalidade diminuem. Como as ocorrências são contadas a partir do registro, pode-se também supor certa inércia ou até omissão para resultar no fenômeno remunerado. Mas prefiro não crer em má-fé. Melhor é admitir que o modelo anterior fosse gerador de violência policial. Seu anacronismo era tão detestável que a atual inversão dos valores é em todos os sentidos promissora. Afinal, é bem mais fácil inventar uma ocorrência (danosa prática de outrora) do que evitar a ação (atendimento) se a ocorrência efetivamente existir (cultura do presente).
Ora, admoestar o cidadão por mera suspeição para gerar aumento do “quociente de operosidade” é abominável, especialmente porque o alvo será sempre o já socialmente excluído e nunca o bacana. Eis, em síntese, por que me ponho em defesa do modelo de premiação atual, sem, entretanto, deixar de reclamar dos baixos salários que afetam indistintamente as duas polícias e outras categorias vinculadas à segurança pública (DETRAN, DESIPE etc.). Afinal, a má remuneração também estimula a indignação que, ao fim e ao cabo, irrompe em inércia ou em violência policial.